Ao entrar na Rua de Santa Marta pressagiei um ataque demoníaco às fossas nasais tal era o cheiro abominável de bicho morto que o bolbo olfactivo processou. Passeei os olhos pelas bermas à procura do emissor daquele cheiro. Àquela altura do dia (07.30) gostava de deslocar-me pelo meio da rua, evitava os inúmeros excrementos depositados na noite anterior pelos canídeos domésticos no passeio do lado esquerdo, por isso a pesquisa estava facilitada – a visão periférica disparava harmonicamente nos dois sentidos. Não encontrei nada que justificasse aquele odor que se diluía enquanto continuava a subir a rua.
Quando abandonei a Rua de Santa Marta e desaguo na Avenida de Santa Marta que beija durante alguns metros um dos muros do cemitério, fui, novamente, vítima inocente, como deve ser qualquer vítima, do putrefacto aroma que não vinha do contentor de lixo situado logo ali à minha direita.
Aquele cheiro a morte, que tinha (sim) de ter uma qualquer razão (porque “onde há fumo há fogo”), incomodou-me. Parecia que o meu olfacto estava marado; que a minha cabeça estava a quer transmitir, pouco sub-repticiamente, alguma coisa (pois onde há fumo há bem mais que fogo“). Não tenho problemas com a morte; vivi (vivo?) com ela demasiado tempo na minha mente, mas o cheiro nauseabundo molestou-me. E enquanto os meus passos ressoavam, agora, no espaço claustrofóbico da Avenida de Santa Marta – de um lado, esquerdo, o muro do cemitério do outro lado, direito, a parede branca, mas pouco imaculada, do estádio Adelino Ribeiro Novo – senti-me numa camisa de força tão típica da época vitoriana. Fui cambaleando e chocando irregularmente contra o muro esquerdo até que perante a visão assimétrica do cedro plantado em frente à entrada do cemitério me vi num espaço mais amplo absorvendo uma claridade que aquecendo (cegando) me livrou da mortificação grosseira que sofri por breves, mas subjectivamente longos, segundos.
Agora que escrevo isto continua sem explicar os cheiros e a minha fraqueza.
Talvez não haja explicação ou talvez não queira explicação.