harmonias

Conforme o sol se ia diluindo no mar os corvos que sobrevoavam ruidosamente a Casa da Bruxa iam sendo pintados de laranja, vermelho, violeta – um caleidoscópio de cores. Quando a escuridão pintou a noite de negro fechei os olhos e deitado sobre a areia da praia adormeci embalado pela harmonia sonora das ondas e pelo crocitar fantasmagórico dos corvos.

as minhas necessidades

Não entendo as pessoas que dizem “vou fazer as minhas necessidades” quando se referem ao acto de cagar e mijar. Corrijo-me, ao acto de defecar, obrar, evacuar, urinar e não é merda, são fezes, dejectos, excrementos. Para suavizar uma tarefa biológica normal começamos a utilizar palavras mais leves. A tarefa só não é nojenta se for feita por um bebé.

Escrevo isto, porque, após ouvir as palavras “minhas necessidades” me recordei do que tinha lido em 1981 no livro Marune: Alastor 933 de Jack Vance, publicado pelas Publicações Europa-América. Coloco a versão original pois não estou para procurar os textos no meu livro.

For instance, the process of ingesting food is considered as deplorable as the final outcome of digestion, and eating is done as privately as possible.

Marune: Alastor 933 de Jack Vance


Now allow me to describe the act of eating. On those rare occasions when a Rhune is forced to dine in the company of others he ingests his food behind a napkin, or at the back of a device unique to Marune: a screen on a metal pedestal, placed before the diner’s face. At formal banquets no food is served – only wafts of varied and complicated odors, the selection and presentation being considered a creative skill.

Marune: Alastor 933 de Jack Vance

E claro o filme de Luis Buñuel “O Fantasma da Liberdade” no qual é exibida uma cena em que um grupo de comensais está sentado em sanitas, em redor de uma mesa, e de vez em quando se ausentam para irem comer, constrangidos, a uma sala-de-jantar.


E foram alguns apontamentos de merda.

teletubbies

Após o nosso protagonista ter sabido que um amigo teve uma “fractura” no pénis decidiu tomar medidas; o resultado – hilariante.

Vinhetas extraídas do álbum Memórias de um Homem em Pijama de Paco Roca, publicado pela Levoir.

2 metros

— Meu… por que não usas máscara quando sais de casa?
— Só a uso quando percebo que terei pessoas num raio de dois metros – medido a olho, claro. Até agora só me cruzei com gatos, cães e outros animais que tais.
— A sério?
— Viste que consegui fazer uma rima com ais. Lindo. Mesmo lindoooo!
— Houve lá, não estás comigo desde que deixas a tua casa?
— E?
— E? Então não sou uma pessoa e não estou a menos de dois metros?
— Ah! Ah! Vejamos. Sinceramente. Ah! Nunca te vi muito bem como uma pessoa. Para mim és mais um rato, uma lesma. Uma perturbação na força.
— És doente. Sabias?
— Nem te respondo caracol, mas coloco um máscara – satisfeito? Tens aí uma que me emprestes?
— Uma máscara não se empresta e não, não tenho mais máscaras.
— Então temos de nos afastar dois metros.
— E coomooo se estamos num carrrrroooo.
— Que violência man. Simples.
Parei o carro e pedi educadamente ao caracol que abandonasse a viatura. Fê-lo a exibir uma cara de radiante espanto a raiar a estupidez.
— Satisfeito? — não me respondeu. Não entendo aquelas pessoas que nunca estão satisfeitas.

entre abraços

O postigo abriu-se e uns olhos inspectivos fizeram uma pergunta silenciosa. Respondi, “Sorrir e acenar.” A porta foi aberta e na minha imaginação esperava ouvir um assustador rangido, mas nada se ouviu; deslizou silenciosamente. Na antecâmara um cartaz informava que me devia despir – fi-lo. De seguida passei por uma portada que me mediu a temperatura e me aspergiu o corpo com desinfectante. Vesti um fato-macaco descartável, antiepidémico e antibacteriano. Quando fiquei totalmente artilhado a luz existente por cima de outra porta acendeu verde. Abri-a e entrei num espaço mais que amplo e brilhante. Solucei em face do que vi: um paraíso de abraço e mais abraços. Exibiam-se casais abraçados, abraços em grupo. Ah! Que visão. Aproximei-me de um casal e cerquei-os com dois braços desejosos de contacto humano. Chorei quando o meu contacto foi retribuído e ali naquele momento senti-me o mais feliz dos mortais. Já não me recordava o quanto um abraço é especial. Abraçado e a abraçar rosnei uma prece de ódio à maldita pandemia.

world of trouble de ben h. winters

E, assim, termina em beleza a trilogia de The Last Policeman com este livro World of Trouble de Ben H. Winters.

World of Trouble é um policial poderoso. Sombrio, assustador e emocionante – intenso. E este final é o único que faz sentido.

e filmes

Com a Netflix (publicidade não paga) estou a visualizar filmes de 1h14m em 15m e filmes de 1h14m em 3h54m.

Uns são vistos em ⏩ ⏩ (super mais que super velocidade).

Outros são vistos em ⏸️ ▶️ ⏸️ ▶️ ⏸️ ▶️ ⏸️ ▶️ ⏸️ ▶️ (pausa, ler mais um pouco, ver, pausa… e assim o tempo se dilata.)

Exemplos:

  • The Truman Show
  • Enola Holmes
  • The Old Guard
  • The Late Bloomer

a sociedade secreta dos pais

🙂 brilhante. Adorei. Efectivamente parece que fazemos parte de uma sociedade secreta.

Vinhetas extraídas do álbum Memórias de um Homem em Pijama de Paco Roca, publicado pela Levoir.

rever paris de schuiten e peeters

Este álbum de Schuiten e Peeters está fora do universo “Cidades Obscuras”, mas a história enigmática, os desenhos está sempre presentes. Álbum visionário, surrealista – mestria sempre presente.

Fantástico. Autores que não sabem desapontar.

Tradução: João Miguel Lameiras

para além da crença de v. s. naipaul

Leitura que não me cativou. Por isso sem grandes problemas o livro foi arrumado na prateleira. Há mais coisas para ler.

Tradução: José Vieira de Lima