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estamos a falar de coisas diferentes

— Queres a mãe morta? Mas que raio de filho és tu?
— Eu gosto da nossa mãe tanto como tu. Que merda de acusação é essa?
— Não disseste que ela está a sofrer muito?
— Sim disse.
— Não disseste que não há ninguém para tomar conta dela?
— Sim disse.
— Não disseste que a morte acabaria com o seu sofrimento?
— Sim disse.
— E então, sacana da merda, ainda dizes que não queres a mãe morta.
— Estamos a falar de coisas diferentes. Eu não disse que desejo a sua morte; apenas que estava melhor morta.


Uma história com exactamente 101 palavras.


Fascinado pela frase “estamos a falar de coisas diferentes” do conto “Um Conto Popular Para a Minha Geração: Na Pré-História do Capitalismo Tardio” de Haruki Murakami constante no livro “A Rapariga que Inventou Um Sonho”, tentei criar um texto sem sentido com apenas 101 palavras. Aqui está ele.

a família de dario diante de alexandre

Este quadro de Paolo Veronese, actualmente na The National Gallery foi visto por Goethe na sua Viagem a Itália. Na altura da sua visita a pintura estava localizada em Veneza no palácio Pisani Moretta.

(…) aqui se mostra a sua grande arte, que não possui uma marca geral que se comunique a toda a pintura, mas gere uma magnífica harmonia, pela engenhosa distribuição e luz e cor e pela alternância igualmente inteligente na aplicação da cor local;
(…)
A gradação na sequência da mãe até às filhas, passando pela esposa, é muito autêntica e conseguida; a princesa mais nova, ajoelhada no fim da fila, é uma mocinha muito bonita, com uma expressão ajuizada, mas ao mesmo tempo muito senhora do seu nariz e obstinada.

página 131

e tenho 60 anos?!

— Ligaram para o meu marido a dizer que o meu não estava inscrito em nenhuma escola! Mas eu tratei com um senhor que tem umas tatuagens e tem pra aí uns 60 anos.
— Eu aparento 60 anos? E eu que dava à senhora uns 30 anitos.

À noite a cirandar pela Feira de Artesanato sou chamado a atenção por uma menina com: “Jovem não quer vir provar uma ginga?”
— Não posso porque a minha mãe não deixa e hoje não é Domingo — respondi.
— E o pai não quer — foi dito por entre uma gargalhada pela jovem.

Isto, claro, que amenizou o acontecimento da manhã.

deutsche bahn

Em 1977 foi-me oferecido esta locomotiva. Hoje a minha mãe nas arrumações encontrou em casa dela o meu brinquedo mais adorado e que prova por que ainda hoje adoro comboios.

É uma locomotiva Deutsche Bahn feita pela empresa Modern Toys (Japão).

out at night in the day

A minha mãe nunca me deixou sair para a rua à noite, assim eu saía à noite de dia.
É por isso que eu não entendo certas coisas:
# como pode alguém transformar um suicídio em ameaça?
# como pode a polícia me proibir de ir para casa de carro, mas deixar-me passar a pé?

a mãe e o pai; o pai e a mãe

Uma história em duas partes pela Margarida.

a mãe e o pai

a mãe e o pai

o braço esquerdo de deus

O Braço Esquerdo de Deus, livro editado pela Porto Editora, do escritor Paul Hoffman, primeiro de uma trilogia, convenceu-me. Adorei como que o universo paralelo em que os seguidores de uma religião continuam a combater os infiéis de forma poderosa e com sucesso. Pode ser um livro de alguma forma perturbador – viciante, violento, apaixonante.

Não é quanto a mim um verdadeiro livro de fantasia, mas enfim, é a minha opinião. Poderia dizer mais, mas não digo. Estou de férias.

O titulo do livro é-nos explicado mesmo no fim do fim. Iniciei a leitura do segundo livro. Obrigado mãe pela oferta.

recordações

  • Há casais que guardam na caixinha das recordações o primeiro dente de leite que caiu do amoroso filho.
  • Há casais que conservam na caixinha das recordações o primeiro caracol loiro, preto, castanho, ruivo do filho desbastado pela tesoura do cabeleireiro.
  • Há pais que colaram na parede o primeiro postal do Dia do Pai criado na pré-escola.
  • Há mães que têm na gaveta dos soutiens e dentro de uma caixinha de cartão, que já teve um relógio gravado com os dizeres “amo-te para todo e sempre” do marido traidor, com publicidade da ourivesaria da esquina, o primeiro pedaço de barro esculpido na pré-escola comemorativo do Dia da Mãe.
  • Há madrinhas que mantêm encerrada na caixa original a vela do baptismo do afilhado.
  • Há ex-noivas, agora viúvas, casadas, divorciadas, amantizadas que mantêm pendurado no guarda-fatos o vestido de noiva.

Eu, o vosso poderoso, BigPole, guarda emoldurado numa linda caixa hermética o primeiro preservativo usado numa verdadeira luta sexual, que encerra dentro o esperma expulso e colados dois pêlos pubianos ruivos da minha amante, actualmente sem rosto.

do vosso coleccionador: BigPole

expulsar os demónios

– Pai podes brincar comigo? – perguntou a minha filha mal acabei de abrir a porta de casa.
– Daí a pouco, agora tenho de expulsar uns demónios – respondi, no meu tom mais que sério, deixando-a pensativa. E lá ficou no hall a ruminar. Deve ter sido por causa da palavra “expulsar” que no seu modesto vocabulário, certamente, ainda não tinha um adequado sinónimo.

[… pausa para processamento de informação …]

– MÃE, MÃE… OHHH MÃEEEEEEEEEEEEEEE, tenho medo, o pai disse que há bichos aqui – gritou a soluçar, e correu para a mãe que a deve ter abraçado estupefactamente aborrecida.
– Onde está o teu pai?
– Na casa de banho. E ’tá a gritar!
– Pois está, a gritar “saiam daqui demónios!” – frase dita num tom de voz tão gélido que me arrepiou até os cabelos que não tenho.
– O pai está a brincar. Não é a sério. Olha Margarida vai à cozinha buscar uma colher de pau para também nós brincarmos.
– Uma colher de pau? – questionou a inocente criança. Este pedido da mãe foi ouvido por um pai ligeiramente assustado. Uma névoa de suspeição já entrava na casa de banho por baixo da porta e pelo buraco da fechadura.
– Sim, Margarida, vamos bater com ela na cabeça do palerma do teu pai. Pode ser que com dois chifres ele convença os demónios a deixarem a nossa casa.

Danger, Will Robinson!” – aí estava eu, mais uma vez, numa posição periclitante. Sou vítima de odiar a monotonia e sinto-me, como tal, na obrigação de criar momentos teatrais.