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os motivos?

Todas as guerras são originadas por diversos motivos: religiosos, étnicos, ideológicos, económicos, territoriais, de vingança ou de posse. Os indícios estão sempre presentes e podem ser evitados, contornados com paciência, bom senso e boa diplomacia. Mas ninguém estava preparado para O motivo que originou uma guerra de proporções bíblicas e que exterminou 90% da população humana em finais de 2019.

Até 2324 os historiadores, os sociólogos, psicólogos, cientistas políticos, arqueólogos não discerniram qualquer razão objectiva ou subjectiva para a carnificina. Sabem apenas que a génese esteve num grito de alerta que arrotou esta frase: “mexeram-me na cadeira!” Depois disto foi o caos. As pessoas enlouqueceram, deliraram, alucinaram (escolham o que quiserem) e nesse delirium tremens o diabo andou solto na terra.

Em Janeiro de 2325 foi descoberto o ground zero da guerra de 2019 e após duas décadas de escavações meticulosas foi encontrado junto aos restos cadavéricos de uma cadeira um parafuso que segundo projecções tridimensionais faria parte da sua estrutura inicial. O motivo da guerra de 2019 não poderia, realmente, ter sido realmente evitado nem previsto – desde quando um parafuso a menos avisa?

tens uma panca

Não és tu lês isto que tens uma panca. Sou eu que a tenho. E não fico ofendido quando esta frase me é atirada. Uma panca é uma mais-valia: sou eu, o que já por isso é muita coisa boa mais uma panca, mais alguma coisa; melhor do que qualquer produto 2 em 1.

Já fico transtornado quando me arrojam ‘tens um parafuso a mais’ ou ‘tens um parafuso a menos’. O aborrecimento surge, sendo ou não um andróide, do facto do meu criador ter sido irresponsável:

  • montou-me com uma peça de fixação a menos – a qualquer momento alguma coisa vai despegar
  • montou-me com uma peça de fixação desnecessária – a qualquer momento alguma coisa vai emperrar

Não admira que ande sempre a colocar as mãos nas cabeças; a constatação necessária de que ainda estão no sítio.

o raio dos maios

A minha apavorante vizinha do décimo quarto andar não se cansa de depositar surpresas encostadas à porta blindada de entrada para o meu apartamento. São donuts, pães árabes, pães ázimos, pães franceses, pães integrais, decorados ora com uma vela, um palito colorido, um stick luminoso, pêssegos paraguaios, marmelos, mas também deixa artigos não comestíveis, como um fálico candeeiro lâmpada de lava vermelha, um broche em prata e outras coisas de que já não tenho memória. Não sei o que se passa naquela cabeça. Não consigo compreender, e tenho dois dedos de testa, o que ela quer conseguir com aquelas oferendas.

Já lhe disse com a menor simpatia que tenho que deve mudar de atitude, que é uma exagerada, que o que faz não tem qualquer sentido, que se deseja ter sexo comigo isso nunca vai acontecer, não porque seja feia (também não é bonita, até tem um corpo de pedir por mais), apenas odeio saber que tenho uma amante no prédio onde habito obcecadamente possessiva.

– A sua sorte é eu ainda ser boa pessoa e isto ser saboroso – respondi-lhe, na sexta-feira passada, após dar uma última trincadela na oblação, um donut caramelizado. Viro-lhe as costas e subo em passo de corrida pelo elevador até ao meu reduto.

Passados que foram dois dias do último donut olho para o espanto dos espantos; completamente apalermado fiquei a encarar um pito amarelo, de laço vermelho ao pescoço, num cesto de vime repleto de ovos de chocolate. Pego no cartão preso à asa e leio “Big, ofereço-lhe esse inocente pito como prova do meu apreço. A sua vizinha 14C“. Aquela prenda tinha a mensagem mais clara de todas. Senti que tinha de terminar com os abusos. As dádivas atingiram outro patamar pela ausência de subtileza; de inocente não tinha nada e o pito, ou mais correctamente o frango, da oferecida, que deve ser tudo menos cândido, foi-me oferecido em vermelho.

Mal sabia que o pior estava para vir. Hoje, 30 de Abril, lá descobri refastelado no chão um cesto de verga castanho com imensas maias ou maios, enfim ramos de giestas amarelas. Fiquei assustado. Odeio rituais, até os pagãos. Iniciei um laborioso processo mental, só como eu sou capaz, e concluí que o ritual tem como objectivo último impedir a entrada do Burro, do Maio ou do Carrapato nas casas; afastar as entidades maléficas, os demónios. Chegado a esta ilação uma paz interior colou-se ao corpo. Finalmente a 14C ia deixar-me em paz. Coloco os maios e desvio a vizinha carrapata da minha porta – pensei. Grande burra acabou de dar um tiro no pé; deu, mas foi, um tiro nos dois pés e caiu de frente. O susto já era uma miragem e comecei a gargalhar todo satisfeito quando o tiimmm do elevador antecipando a abertura das portas interrompeu a quarta risada e vi lá dentro a 14C vestida de branco, coroada com flores, descalça, diáfana, a exalar fertilidade. As portas fecharam-se e o elevador desceu. Se eu fosse o Reed Richards os queixos tinham-me caído literalmente ao chão.

Que se fodessem os maios, que não eram precisos. O diabo já estava dentro de casa, dentro de mim. E o demónio em mim entrou em parafuso. Tresloucado desci, imagine-se, pelas escadas, abalroei a porta do 14C para a encontrar sentada, sensual, num trono de flores. Lancei-me a ela de arpão em riste, rasguei-lhe a parca cobertura; de costas para mim e com as mãos apoiadas nos braços da poltrona florida enfiei numa líquida vulva um sequioso pénis com tanta facilidade que quase perdi o equilíbrio não me tivesse agarrado a dois seios tesos, ausentes de artificialismos. Com a coluna a arquear a cada investida minha senti que estava a gostar da viagem de tobogã; e quando comecei a despejar 117 milhões de demónios, contagem do meu último espermograma, ri-me em deliciosos sobressaltos da imagem mental que me surgiu, assim do nada: um pito amarelo, de laço vermelho a afogar-se num taça cheia de manteiga.

Abandonei-a sufocada por suspiros, sabendo que os meus demónios irão morrer pacificamente em suave agonia em 24 horas – maios para quê.

Finalmente exorcizei-a.

o vosso exorcista: BigPole