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sonoridade

A minha companheira de cama informou-me que passei a noite toda a sonhar e a peidar-me. Tive o prazer de a esclarecer que sonhei que era um soldado numa guerra e o que ela pensou ser traques eram tiros – pum! pum! pum! Os meus sonhos têm efeitos sonoros muito especiais.

a rapariga que inventou um sonho de haruki murakami

Este livro de contos, “A Rapariga que Inventou um Sonho”, revela que Haruki Murakami cria magia em qualquer registo.

Adorável livro de contos.

Tradução de Maria João Lourenço

estamos a falar de coisas diferentes

— Queres a mãe morta? Mas que raio de filho és tu?
— Eu gosto da nossa mãe tanto como tu. Que merda de acusação é essa?
— Não disseste que ela está a sofrer muito?
— Sim disse.
— Não disseste que não há ninguém para tomar conta dela?
— Sim disse.
— Não disseste que a morte acabaria com o seu sofrimento?
— Sim disse.
— E então, sacana da merda, ainda dizes que não queres a mãe morta.
— Estamos a falar de coisas diferentes. Eu não disse que desejo a sua morte; apenas que estava melhor morta.


Uma história com exactamente 101 palavras.


Fascinado pela frase “estamos a falar de coisas diferentes” do conto “Um Conto Popular Para a Minha Geração: Na Pré-História do Capitalismo Tardio” de Haruki Murakami constante no livro “A Rapariga que Inventou Um Sonho”, tentei criar um texto sem sentido com apenas 101 palavras. Aqui está ele.

oton lustosa

O homem não busca apenas satisfazer as suas necessidades materiais. Para viver, plenamente, busca a satisfação espiritual. Cheio de poder, posto que dotado de inteligência – esta explosiva força criadora -, o homem transforma o mundo. Escarafuncha, mexe, bisbilhota as coisas da Natureza… Queda-se extasiado diante das belezas naturais… Encafifa-se com os mistérios que levam à perfeição das coisas criadas… Chega a uma conclusão derradeira, inapelável: Deus existe! Mas… De tanto investigar termina por concluir que algo deve ser melhorado ainda neste mundo de Deus. Quer o homem o mundo ao seu serviço, útil e prático; que lhe proporcione um estado tal de bonança, inenarrável, sublime. Algo a que deu o nome de Felicidade! Eis o objetivo primeiro e último do gênero humano: Ser Feliz! Por isso transforma, modifica, cria, destrói, luta. E a tal felicidade como uma miragem, ora perto ora longe. E haja esperanças e haja angústias e haja sonhos! Ah! os sonhos!… Quer o homem, em pleno estado de vigília, entender os sonhos, torná-los concretos. Freud bem que tentou ensinar a fórmula. Mas a psicanálise freudiana, para muitos, ainda é um imenso labirinto onírico. Por isso, em perseguição dessa tão sonhada felicidade, o homem desanda a sofrer. Busca, finalmente, um lenitivo para essas dores do espírito. Põe-se a serviço da construção e da contemplação da Beleza. Nesta sua caminhada terráquea, a estação que o leva a mais se aproximar da felicidade é a contemplação da Beleza. É aí que as artes ocupam importantíssimo papel na vida do homem. Aliás, ouso dizer, sem a arte – expressão maior da inteligência humana -, o homem não passaria de um miserável bicho bípede, deslanado, sem cauda, sem garras, despreparado para a caça e para a pesca; e sem nenhuma chance de cavar, mergulhar e voar. Mas o homem, ser divino, tem a Inteligência!… Que o leva ao trabalho maneiroso, ao engenho, à arte, à perfeição, ao amor… E ainda o levará à felicidade!

Oton Lustosa

Texto extraído do discurso de posse do escritor Oton Lustosa na cadeira n° 05 da Academia Piauiense de Letras.

a sociedade dos sonhadores involuntários de josé eduardo agualusa

O jornalista angolano Daniel Benchimol sonha com pessoas que não conhece. Moira Fernandes, artista plástica moçambicana, radicada em Cape Town, encena e fotografa os próprios sonhos. Hélio de Castro, neurocientista brasileiro, filma-os. Hossi Kaley, hoteleiro, antigo guerrilheiro, com um passado obscuro e violento, tem com os sonhos uma relação ainda mais estranha e misteriosa. Os sonhos juntam estas quatro personagens num país dominado por um regime totalitário à beira da completa desagregação.

Wook

Realmente fantástico. José Eduardo Agualusa nunca deixa de surpreender.

Com uma narrativa poética e comovente, viajando entre o passado e o presente da vida das personagens o autor apresenta um mundo cruel e caótico. O sonho será o mecanismo que permitirá transformar esse mundo em queda, num mundo mais equilibrado; enfim erguer uma Angola mais sensata.

O sonho é libertador?!

comentários

Cada noite que passa os meus sonhos têm cada vez mais comentários do realizador.

Estou a sonhar e quando “percebo” que aquilo é um pouco/muito incoerente lá me ouço a dizer “isto vai dar problemas”. 

Exemplos: hoje sonhei que uma tribo de homens que vive em comunhão com a natureza estava  admirar um veado. A louvar a sua existência. A lamentar que o tinham de matar para sobrevivem. Prepararam o arco, as flechas. Tudo foi interrompido com o barulho ensurdecedor de carros a voar pela estrada, com o seus ocupantes a descarregam cartuchos completos no veado que fugiu com o barulho, mas que não conseguiu escapar às rajadas das metralhadoras. Caiu morto. “Isto vai ser um problema”, senti-me comentar e… acordei.

Na cena seguinte o veado vai a assar, mas no último momento é substituído na grelha por um bebé. A carne começa a tostar. A cara a ficar retorcida num esgar. “Isto é doentio”, comento e… acordo.

E a noite foi passando-se desta forma.

adormecer ao estilo piloto de testes

Hoje utilizei todas as técnicas conhecidas pela humanidade para adormecer e dormir e outras tantas mais desenvolvidas por mim.

Engoli um comprimido. Apaguei a luz e afaguei a cabeça na almofada de padrão florido – ainda primavera. Fechei os olhos. Iniciei a preparação para o relaxamento. Pensei… pensei que estava debaixo de uma palmeira embutida na areia que traçava uma elegante sombra sobre uma cadeira de praia na qual moi estava refastelado a ler um livro enquanto era embalado pelo som e cheiro da brisa marinha. Já sentia o cérebro a abrir as portas para Morfeu. Ah! a doce sensação de desprendimento invadia o quarto… bem-vinda!

Tudo corria bem. O vento desfraldava as velas com constância. A viagem antevia-se prometedora até pensar o quanto seria divertido se de repente a água do mar congelasse (não impliquem com a impossibilidade científica; estava a preparar um sonho, ou, melhor dizendo, o preâmbulo de um sonho) e todas as pessoas seriam fatiadas pelo gelo: as que estavam a banho, a surfar, a arrancar mexilhões; enfim todas as pessoas envolvidas com o mar de qualquer forma. Sangue, entranhas por todo e qualquer lado, crianças a chorar – desespero total. Resultado, acordei sem estar a dormir. O que se passou com o comprimido para não actuar dentro do tempo regulamentar: dez segundos, o limite para castrar pensamentos parasitas.

Acendi a luz e olhei para dentro do copo para confirmar se continha água. Estava vazio. Confirmei que tinha bebido a água, mas fiquei na dúvida se a acompanhei com o comprimido. Deveria arriscar tomar outro? Assumindo que o meu organismo já tinha absorvido um. Decidi-me pelo não. Não porque tinha receio do que me poderia acontecer com a toma de dois comprimidos, mas sim porque não me apetecia ir à cozinha encher o copo com água. E se afinal o problema não estava na medicação, mas na minha cabeça. O que se passa comigo? foi a segunda questão que coloquei. Sou realmente um máximo a colocar questões.

Duas questões. Zero respostas. Ganhou o inquisidor. Insónia foi a ordem do dia. Encerrada a sessão.

a explicação para abanar a cabeça

Sinto que estou em depressão há mais de sessenta dias. Quando este sintoma se manifesta a vontade de dormir ocorre a toda a hora e em qualquer lugar. O que é compreensível tendo em conta que não consigo adormecer nas horas ditas normais: das 00h00 às 08h00. No entanto para ser verdadeiro a narrar os factos terei de dizer que adormeço, mas não consigo dormir – absurdo eu sei. É o que acontece quando se sofre de ansiedade ao quadrado, pânico ao cubo, em suma quando se vive atrelado a um transtorno obsessivo compulsivo.

“Adormecer e não dormir” como posso explicar isso? Tenho duas teorias perfeitamente válidas.
Primeira teoria: tenho 6 fases do sono. O que faz de mim um caso clínico único. Okay. Esta teoria não tem fundamento. Afinal só tenho uma teoria válida.
Segunda teoria: tenho um superego freudiano altamente marado que não aceita o absurdo – certo/errado – do onírico. Explicando. Adormeço a maior parte das vezes rapidamente e acordo mal os meus neurónios percebem que no sonho alguma situação não está de acordo com o usual. Tipo: estou a voar e isso está incorrecto, por isso o meu cérebro como que acorda e tenta corrigir esse erro ou estou a correr muito lentamente, nunca alcançando o objecto do meu desejo. Sim, nem a dormir consigo me conciliar com o paradoxo de Aquiles e a tartaruga. E, como tal, passo o resto da noite a forçar um sonho aceitável no qual sou um ninja, alguém com o poder de atravessar paredes ou estou a ser bajulado por um milhão de ursos de peluche vivinhos da silva – são energizados por pilhas Duracell. Entre este acordar/sonhar/forçar acabo por nunca conseguir dormir em perfeita sintonia com o colchão. Como dá para perceber esta teoria é a que mais pernas tem para avançar.

Por hoje, chega de explicação. Vou meter as mãos nos bolsos da minha pele e sonhar ou adormecer a tentar.

há noites…

Há noites em que sonho com os meus mortos; aí vivem através de mim e nesses momentos inventamos novas alegrias que, contudo, se desvanecem no acordar. Acordo sempre com mais vontade de sonhar.

reais

Os meus sonhos têm sido tão vívidos que não me deixam mergulhar nas profundezas do sono. Estranho!