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em linha directa

Tenho uma colega sentada à minha frente. Linha directa quatro metros. Tapada por um monitor de 19”. Sentada não a vejo (é pequena). Mas ouço-a – irritantemente. O som que emite é um grasnar e um zurrar demoniacamente combinados. Se isso já não pernicioso per si ainda se dedica a trautear as músicas que passam na rádio. Uma vaca a caminho do matadouro consegue ser menos dramática. Hoje, não sei como, está a ser mais colérica. Não sei quanto tempo mais aguento. Atirei-lhe um agrafo que ficou abafado na enorme peruca a que chama cabelo. Arremessei uma régua de dez centímetros que colidiu contra o monitor. Nem se mexeu. Nada de grave. Peguei no meu teclado QWERT e sem qualquer sobressalto enfiei-o à velocidade da escuridão no lado esquerdo da sua cara. Ela começou a sangrar da boca. Gemeu uns gemidos nauseabundos. Pumba e carreguei-lhe novamente com o teclado. Calou-se. E desfalecida encontrou o chão. Do teclado saltou apenas a tecla F1 que ficou languidamente pousada ao lado da sua cara. Sentei-me na cadeira vazia. E de olhos fechados esperei. Sosseguei. Esperei.

inócuo

Inócuo é a palavra do dia nas suas metamorfose masculina e feminina. (Palavra masculina é feminina, mas relativa a homem – masculino; adjectivos inócuos.)

Inócuas são as palavras. Inócuas são as mortes e os nascimentos, os movimentos e os pensamentos. A guerra e paz são inócuas. Pessoas inócuas, mortais, venais. Religiões inócuas. Acres massacres inócuos. Sexo inócuo. Orgasmos inócuos. Inócuos agentes activos, reactivos, passivos. Ordem e desordem inócuas. Sentimentos, ilusões, confusões, multidões, mutilações inócuas. Alimentos inócuos.

O tempo não é inócuo. Assistir à passagem do tempo é inócuo. O tempo é.

clássico eis a questão

Um clássico é um livro atemporal, que consegue sobreviver para além da época em que foi escrito. Não implica ser, necessariamente, um livro antigo, apesar de isto estar, quase, implícito, porque actualmente os livros falham em qualidade do texto. Claro que a determinação do que é belo é um juízo subjectivo do leitor, com os seus gostos e valores próprios. Mas é fácil concluir que nunca são livros vulgares, são sim livros complexos, inusitados; não que sejam difíceis de ler.

Um clássico teve e continua a ter, sempre que é lido ou relido, uma repercussão na história literária e, porque não, na cultura popular – fica gravado de uma maneira ou outra na memória colectiva pelos temas universais que geralmente abordam.

Um livro editado hoje não pode ser considerado um clássico, porque ainda não resistiu ao teste do tempo.

Numa lista simples posso colocar:

  • O Romance do Genji (1005-1014) de Murasaki Shikibu
  • Dom Quixote de la Mancha (1605-1615) de Miguel de Cervantes
  • Moby Dick (1851) de Herman Melville
  • Os Maias (1888) de Eça de Queirós
  • O Retrato de Dorian Gray (1891) de Oscar Wilde
  • Em Busca do Tempo Perdido (1913-27) de Marcel Proust
  • O Processo (1925) de Franz Kafka
  • Admirável Mundo Novo (1932) de Aldous Huxley
  • 1984 (1949) de George Orwell
  • As Cidades Invisíveis (1972) de Italo Calvino
  • O Nome da Rosa (1980) de Umberto Eco
  • Memorial do Convento (1982) de José Saramago

ivory cloud serpent

Depois de 6 horas de espera cá a tenho.

Passei o tempo a ler e depois a ver um filme.

a começar

Quando apanho boleia para o meu local de trabalho gosto de esperar durante, cerca de, quinze minutos e aproveitar o tempo para ler. Assim estou preparado para o dia que se inicia. Se for a pé a deslocação é feita ao som da música. Momento para o pensamento divagar alegremente.

Se esta rotina se quebra será um dia maldito.

welwitschia

@ muriel gottrop (wikipédia)

Apesar do clima em que vive, a Welwitschia consegue absorver a água do orvalho através das folhas. Esta espécie tem ainda uma característica fisiológica em comum com as crassuláceas (as plantas com folhas carnudas ou suculentas, como os cactos): o metabolismo ácido – durante o dia, as folhas mantêm os estomas fechados, para impedir a transpiração, mas à noite eles abrem-se, deixam entrar o dióxido de carbono necessário à fotossíntese e armazenam-no, na forma dos ácidos málico e isocítrico nos vacúolos das suas células; durante o dia, estes ácidos libertam o CO2 e convertem-no em glicose através das reações conhecidas como ciclo de Calvin.
Devido às suas características únicas, incluindo o seu lento crescimento, a Welwitschia é considerada uma espécie ameaçada, pois já existe desde o tempo dos dinossauros. 

Certas sementes do deserto permanecem em repouso durante décadas. Alguns roedores do deserto só saem dos refúgios à noite. A welwitschia, planta espetacular do deserto da Namíbia, de folhas em forma de correias, vive milhares de anos alimentando-se exclusivamente de orvalho matinal.

Canto Nómada de Bruce Chatwin, pág. 295

como a sombra que passa de antonio muñoz molina

Realmente uma leitura memorável. Demorei algum tempo a terminar este livro devido às imensas referências que o autor vai colocando aqui e ali.

A partir de um dado momento não consegui parar e fui tomando nota do que deveria pesquisar mais tarde.

dahhhhhhhhhhhhhhh

A frase “Viver um dia de cada vez” constata o mais que óbvio pois, efectivamente, só podemos viver um dia de cada vez. O contrário seria muito mais do que um paradoxo, seria um absurdo, uma impossibilidade temporal.

os adágios perdidos

Toda a gente conhece este adágio:

Sol e chuva casamento da viúva.

Mas o que pretendo hoje é revelar em primeiro mão, depois de imensa pesquisa, os seguintes adágios até hoje perdidos e desconhecidos.

  • Sol e nevoeiro casamento o ano inteiro.
  • Sol e trovoada casamento da enjoada.
  • Sol e vento casamento como experimento.
  • Sol com um chuveiro casamento do paneleiro.
  • Sol e granizo casamento sem siso.

O que é importante reter de todos os adágios é que perante o paradoxo do sol acompanhado por outro fenómeno meteorológico é exigido um adágio absurdo.

Verdadeiras pérolas de sabedoria popular.

de 1999 até hoje

Sim, estou a tentar não perder algumas das coisas (fotos, leituras, citações, acontecimentos) que fui registando desde 1999 no mundo virtual.

Será ao melhor estilo cápsula temporal.