Wearing a turban, his body covered with sandalwood ashes and painted with dye, his face decorated with an outline of a black beard, precariously wrapped in a ragged saffron robe, fastened on a piece of rope is a loincloth that pretends to hide his nakedness, with sacred beads and sequins around his neck, a gold chain looped on his right ankle, which makes him appear to be a young sadhu although he does not have any tilaka on his forehead, he walks through Rishikesh towards Haridwar.
A smile of pure satisfaction radiates from his face as his senses embrace the colors, smells and flavors of the spice stands that surround him.
Sitting near the bank of the Ganges River, wearing the shade of a tree, after having crossed the Laxman Jhula Bridge, he realizes how magnificent the smells of Rishikesh are and is proud to have chosen this pilgrimage route to the Maha Kumbha Mela. ‘It is incredible how in a crowd one can better perceive healthy solitude’ is the thought that arises before the undulating mystique of the Ganges River. It is this refuge that he needed and also the absorption of millennial energies.
It is almost sunset. The young sadhu rises and as he leaves behind the Ganges the aquatic magic is diluted harmoniously in the bustle of the metropolis and he feels like the link that unites the two landscapes. His readings taught him that there may be no chaos in chaos, as there may be no order in order, but these maxims begin to be broken when he is surrounded by a group of tourists who had hitherto been photographing the exterior of Trayambakeshwar.
‘A HOLY MAN!’ they shouted.
‘Holy? Where?’ he questions himself, but as he is pointed out by cell phones, he suspects that they think he is the saint, ‘crazy people!’
upDATE_17.09.2016
o erro de sistema nunca está de férias!
upDATE_18.09.2016
o erro de sistema trabalha 365 dias e descansa no 366, ou talvez não!
upDATE_19.09.2016
erro de sistema ao minuto.
o erro de sistema vai arrebentar pelas costuras.
‘Há muitas maneiras de me dizerem as coisas e como as coisas são transmitidas e como eu venho a saber, depois na realidade, repare: estava um caos, estava coisa, há quanto tempo foi? e não fizeram nada, então não estava assim tão mau, isso então não explodiu, nem foi pelo ar agora eu também digo assim, é necessário pedir as peças?’
Talvez sim… devido ao erro de sistema.
upDATE_20.09.2016
e não é que todos vamos ouvir… Carmina Burana!
à espera que o erro de sistema entre em licença sabática.
o erro de sistema não é humilde.
o erro de sistema extermina todos os processos cognitivos.
o erro de sistema é “Temor e Tremor”.
upDATE_21.09.2016
‘mas quem deu ordem para isso?”
‘um erro de sistema impede acesso à resposta.’
/>a recuperar de um erro grave…
/>a realizar uma manutenção cerebral… sem sucesso
/>a identificar o ficheiro danificado… sucesso
/>a identificar o ficheiro executor… sucesso
/>a reinstalar o cérebro em modo de segurança…
/>
/>erro de sistema
upDATE_22.09.2016
o erro de sistema não previne estrias corporais, estruturais e outras que tais.
o erro de sistema não é marca branca.
se o erro de sistema imprimir só a preto em folha branca é racismo.
se o erro de sistema imprimir só a preto em folha preta é redundância.
o erro de sistema é um lobo solitário, excepto quando imprime páginas em branco.
upDATE_23.09.2016
o erro de sistema não permite saídas à noite.
a lista Y deslocou-se para a pasta X porque pensou que o erro de sistema não estava operacional; ilusão! o erro de sistema estava em hibernação e logo exibiu uma mensagem: ‘deslocação sem permissão!’
upDATE_26.09.2016
o erro de sistema gosta de ti.
upDATE_27.09.2016
o erro de sistema não te vira as costas.
o erro do sistema não conhece a palavra “bug”.
upDATE_28.09.2016
o erro de sistema não processa caracóis.
o erro de sistema não precisa da ajuda do justiceiro, nem dos sete magníficos; ele é lei, juiz e carrasco.
https://portaviii.barcelos.info/blog/wp-content/uploads/2016/09/warning-sign.jpg64600porta VIIIhttps://portaviii.barcelos.info/blog/wp-content/uploads/2019/01/logo-portaviii.pngporta VIII2016-09-21 21:58:222020-11-26 11:13:14erro de sistema
‘Que linda que eu sou!’ afirmou ela com exagerada alegria.
‘Mas que espelho usas para chegares a essa conclusão!’, respondeu o seu amigo.
Logo que acordou sentiu-se verdadeiramente cínico, sem paciência para tudo e mais alguma coisa. Ou ficou neste estado depois da não ingestão do pequeno-almoço: uma questão de pormenor. Também se recordou que está desiludido com as últimas leituras; quando um livro não permite ostracizar durante algum tempo a rotina para que é lido?
Pela manhã, ao olhar para o ondulado da rampa em cimento de saída da garagem fixou aí o seu olhar. A visão ficava sempre desfocada, sentiu o corpo sair de si, uma experiência transcendente semelhante às conseguidas pelos monges de Shaolin; e bastou ter perdido a primeira refeição do dia. O que aconteceria se deixasse de comer durante uma semana?
É mais que sabido que a ingestão não moderada de álcool acarreta graves consequências, nomeadamente ao nível da performance sexual. Não existe margem para dúvida que o consumo de álcool diminui a coordenação motora, afectando as aptidões perceptivas e cognitivas, e, pois claro, a capacidade de pressão.
São cada vez mais os casos, vulgarmente baptizados, por “falha em acertar no buraco”, tecnicamente designados como o síndroma da perseguida: o pénis persegue a entrada da vulva, tal mosca a bater ad eternum num vidro, mas nunca acerta e fica de fora bambaleando-se até perder potência e a jovem a paciência.
Aqui o vosso BigPole tem a felicidade de se movimentar pelos meandros da sexualidade nocturna e diurna sem problemas. Reconheço que sou um bom cliente das profissionais da mais antiga profissão do mundo, só me falta ter um cartão de fidelidade para acumular pontos, e igualmente um bom conselheiro. Foi, portanto, na sequência de uma conversa pós-sexo, que, a como que presidente da Organização de Regulação Geral da Actividade Sexual Mesmo Óptima (O.R.G.A.S.M.O.), me confidenciou o facto de que o “oh… oh… sim… mais.. uh… vai.. vai.. ahh… ahhhhh… ai… ai… ui… ui… sí cariño… vai… fundo… isso… me gusta… mais! mais! mais! ok!” e todo um possível caleidoscópio de gemidos está com os dias contados. O cliente é cada vez mais bêbedo, porco e sem o mínimo de postura cívica para utilizar os serviços de qualquer rameira que se orgulhe de dizer de peito ao léu sou uma puta; até as profissionais de nível zero, que não obtiveram aprovação em pelo menos três UFCD (Unidades Fomentadoras de Cenas Doidas), e que pululam e copulam à bermas das estradas se queixam que nem de quatro o buraco é aconchegado com elegância – estão cada vez mais insatisfeitas e apenas esperam a altura para dispararem “agora chega! acabou o tempo!”
As profissionais do sexo querem, como nos antigamente, não apenas dar prazer, mas sentirem diversão no trabalho que têm entre mãos, seios, coxas, enfim, não preciso de fazer um desenho – é o que elas chamam de 2 em 1. Se recebem uma compensação monetária para darem gozo, qual o motivo para não obterem igualmente um saudável e respeitável orgasmo? É pedir muito a um cliente? Não pode ser o cliente um bom amante?
Aconselhei, como quem não quer a coisa, apesar de já estar com os dedos enfiados nela, que “vocês deviam estipular um mínimo de condições de acesso aos vossos serviços.”
Soube, mais tarde, numa outra discussão com a púbis morena da minha presidente, que foram definidas algumas orientações para os clientes, a saber:
O cliente não pode estar com uma taxa de álcool acima de 0,65 gramas por litro de sangue. Deixam de existir falsas partidas.
O lema “cada um é cada um” só é aceitável a partir do tamanho médio de 12cm a 17cm de pénis erecto como foi definido pelo The Kinsey Institute for Research in Sex, Gender, and Reproduction. Nada de brinquedos de 7cm, excepto se vierem acompanhados de um bom vibrador gelatinoso e por um livro de banda desenhada para o cliente se entreter enquanto espera.
Acabaram os sabores vintage. O pénis deve ter um mínimo de limpeza. Tal como um vinho não deve saber a podre, o falo não deve revelar que esteve a marinar por uma semana no cu de um porco. Se tal não acontecer a profissional utilizará um toalhete com PH neutro para a limpeza – despesa a acrescer à tarifa base e sem desconto de tempo; pode até, em último recurso, recusar prestar o serviço, mesmo que o cliente lhe ofereça uma caixa de preservativos com sabor a bolo de batata. Como sabem estes preservativos estão in e qualquer amante que se queira vir deve andar com uma embalagem de 6 na carteira.
Foram tomadas mais decisões, mas eu já não estava com atenção nas palavras, mas no corpo de quem as lia. E, pela primeira vez, a presidente pediu-me para colocar um batata – não me apanhou desprevenido. Claro que eu, o vosso estimado BigPole, não se limitou a usar o batata e aproveitou para amaciar a amante com um ondulante poema: Beijo-te Ai…sim! Tremes Arrepiada Transpiras Apaixonada!
Que noite! Saiu-me foi cara.
o vosso legislador BigPole
https://portaviii.barcelos.info/blog/wp-content/uploads/2019/03/tomate_chourica.jpg600800porta VIIIhttps://portaviii.barcelos.info/blog/wp-content/uploads/2019/01/logo-portaviii.pngporta VIII2014-06-24 10:43:572020-11-23 14:26:37que qualidade se pode exigir à batata?
Todos os dias eles subiam a mesma escada; encontravam, logo no topo, assim de rajada, enclausurado na vitrina de sempre, o mesmo cartaz com os dizeres “Haja Ânimo”.
Todos os dias, que eram tudo menos santos dias, contavam mentalmente, com o coração cheio de desânimo, os degraus: e um, e dois, e três, e agora quatro, e cinco, e já está quase, e seis, e sete, e oito, e noveeeeee e raios partam tudo… ufa… dez. E logo no patamar o cartaz que já foi de um amarelo vivo, agora descolorado pela passagem dos anos, sorria desdenhosamente para eles a publicitar um já muito ultrapassado “curso prático contra o desânimo, o ruído, o medo e a solidão”. Sentiam, quando o deixavam para trás, o sorriso espetado nas costas – a gozar com eles.
Eles que já foram crianças cheias de sonhos, adolescentes com hormonas saltitantes, adultos com esperanças, velhos com saudades. Eles que passaram por todas as pungentes quatro fases de um ciclo de vida, mas ao contrário da borboleta a última fase não é de um lindo renascimento, vêm-se agora numa nova, assustadora e inesperada quinta fase: a fase zombie.
Eles de olhos mortiços, corpos amortalhados, de andar morrediço são os novos zombies; são a corporalização do desalento, do dilaceramento individual; são autómatos de carne e sangue que obedecem sem reflexão a vontades incoerentes. Eles sabem-se bobis que recebem diariamente um osso descarnado em troca do nada.
O que lhes resta? Certamente a revolta, porque a vida nunca são dois dias.
Hoje pela madrugada dentro estava com os pés completamente gelados e o resto do corpo a tremer que nem decrépitas bandeiras de Portugal penduradas nas varandas ao sabor do vento. Quando o frio começou a subir pelas canelas e a alastrar pelos membros inferiores temi pela saúde do meu pénis e dos meus exuberantes testículos.
Estaria a transformar-me em vampiro? Claro que no clássico vampiro que pede licença para entrar em casa e não aquele que come vegetais ou anda à luz do dia. Um dos motivos que me leva a adorar os vampiros é esta refinada educação. O vosso deus, por exemplo, está em todo o lado e nem pediu permissão para estar neste preciso momento a ler o que estou a escrever por cima dos meus ombros.
Esta ideia romântica de transformação foi afastada pela resposta da minha mais-que-tudo, após ter bocejado um arrepiado “Estou cheio de frio e a tremer. O que se passa?”. “Olha que eu estou cheia de calor.” foram as suas palavras jocosamente apunhaladas nos meus ouvidos.
Assustei-me.
Estaria a minha energia vital a ser sugada? Passados estes anos todos seria a minha companheira de cama uma real Sil? Uma parasita cibernética do planeta “estou-realmente-lixado-da-cabeça“?
“Agora é que não me safo”, sussurrei para a minha almofada.
Senti uma mão a penetrar-me nas costas, a subir até ao pescoço e a dizer “Estás cheio de febre.” A mão e corpo saiu da cama e foi para a cozinha preparar qualquer poção diabólica ao melhor estilo de chá de Santo Daime. Soube isto quando me foi oferecido um copo de líquido branco e efervescente com um irritado “toma isto e vê se me deixas dormir”. Bebi calado e bem caladinho. Não me lembro de adormecer.
Acordei. A fêmea alfa já não estava na cama. Teria sido tudo um pesadelo?
É com imenso prazer que publico a entrevista realizada a David Soares, no dia seguinte a ter sido premiado na edição deste ano do Amadora BD, com o Prémio Nacional de Banda Desenhada para Melhor Argumento de Autor Português pelo livro «O Pequeno Deus Cego» (uma edição Kingpin Books, desenhado por Pedro Serpa).
O que adoro em todo o seu trabalho, além de uma fantástica imaginação, é a sua capacidade em não nos deixar indiferentes. David Soares é uma referência incontestável na literatura em Portugal – um criador completo. É um autor a descobrir ou a reencontrar.
Não nego a minha grande admiração por David Soares. Possuo todos os seus trabalhos. “Batalha” tenho-a em todas as cores, só me falta comprar a edição da “raposa” e obter “A Conspiração dos Antepassados” com a capa “pessoa”, até tenho impresso em booklet “Um Passeio por Lisboa Triunfante”, e foi, por isso, precisa muita coragem, misturada qb com atrevimento, para lhe colocar algumas perguntas que ele amavelmente acedeu responder.
Agradeço, mais uma vez a David Soares e, pois claro, a todas as editoras que o têm trazido a público.
A entrevista.
1. “(…) É preciso coragem para escrever, e a coragem cresce mais pelo nosso próprio exemplo que pelo exemplo dos outros. É preciso coragem porque escrever é confessar (…)” palavras extraídas do livro “Renascimento” de Brian W. Aldiss. Achas, sinceramente, que um escritor se confessa, não no sentido religioso do termo, ao escrever?
conspiração dos antepassados
Acho que, de uma forma ou de outra, tudo aquilo que se escreve terá alguma relação com a experiência de vida do autor, embora essa relação possa ter maiores ou menores graus de aproximação à realidade. No limite, quando se fala em auto-biografia, essa relação será a maior possível, em outras abordagens já não será tão directa ou não será tão directa em todos os momentos ou de maneira tão flagrante. Pessoalmente, não gosto de ler romances directamente auto-biográficos e de escrever histórias auto-biográficas, porque a minha voz autoral, o meu universo autoral, preocupa-se com temas, imagens e ideias que vão totalmente ao encontro daquilo que é exterior à dita realidade, daquilo que é exterior ao convencional. Logo, a minha obra pouco ou nada tem de auto-biográfico, daí achar difícil que se analise nela algo assemelhado a uma confissão. Há algo de confessional, claro, chamemos-lhe isso, mas na composição do meu próprio universo autoral, ao qual a minha obra se dirige. Com efeito, seria muito estranho se o meu universo autoral não tivesse nada a ver comigo, não é? Mas a minha obra, em regra, não se dirige ao auto-biográfico, não se dirige directamente à minha experiência de vida de todos os dias. Dirige-se, sim, à minha vida imaginal, à minha sombra. A obra que escrevi que, até agora, contém maior profusão de elementos auto-biográficos ainda nem sequer está pronta: é a banda desenhada «Palmas Para o Esquilo», que está a ser desenhada pelo Pedro Serpa, o desenhador de «O Pequeno Deus Cego», e que será editada para o ano. Mas mesmo essa história, na qual existem muitíssimos episódios e elementos auto-biográficos, retirados directamente e sem pudor algum da minha infância, não é de modo nenhum uma história auto-biográfica. Todavia, concordo em absoluto que é preciso coragem para escrever, assim como é preciso coragem para desenhar, para compor, para filmar. Ser artista é muito trabalhoso, muito exigente. Cada vez é mais difícil.
2. Quando vejo um David Soares a dominar com mestria o romance fantástico, em que edita de rajada 4 romances em 5 anos, penso naturalmente que estará, certamente, a preparar outro romance. A verdade é que tal não acontece e deparo com trabalhos em banda desenhada, um ensaio e o teu último em spoken word. São experiências autorais que precisas explorar? São temas que foram imaginados especificamente para cada suporte? Ou servem para descansar, no sentido de não serem, em princípio tão exigentes como um romance?
o evangelho do enforcado
Tens razão, não estou a preparar outro romance: estou a preparar dois romances.
Um encontra-se todo estruturado e até iniciado, mas tive de interrompê-lo, porque o seu tom – o tom da obra – não estava a ir ao encontro do novo ciclo autoral que inaugurei com «Batalha». O que é que isto significa? Significa que, a partir de «Batalha», encontro-me num novo ponto de observação sobre o meu universo autoral: ou seja, sou um autor, tenho um universo autoral próprio, que é composto por determinadas imagens, ideias e referências, e, cingindo-me aos romances, com «A Conspiração dos Antepassados», «Lisboa Triunfante» e «O Evangelho do Enforcado» observei esse mundo autoral, interroguei esse mundo, sob um ponto de vista em particular, mas ao escrever «Batalha» mudei de ponto de observação, embora as imagens, as ideias, os temas e as referências que compõem o meu mundo autoral se mantenham as mesmas.
Sempre criei em ciclos, sempre alterei as minhas coordenadas de observação a partir de uma determinada obra e mantenho o novo ponto de observação até sentir a necessidade de encontrar outro. Nos romances isso aconteceu com «Batalha». Penso que «A Conspiração dos Antepassados», «Lisboa Triunfante» e «O Evangelho do Enforcado», embora sejam romances com intenções diferentes, com personalidades muito distintas, partilham o mesmo ponto de observação sobre o meu mundo, que é um ponto de observação diferente do de «Batalha»; mesmo sabendo que o mundo autoral de «Batalha» continue a ser o mesmo: até consiste no mesmo mundo ficcional – o mundo de «Batalha» é o mundo de «Lisboa Triunfante» e de «O Evangelho do Enforcado». As minhas bandas desenhadas mais recentes também têm um ponto de observação completamente diferente das mais antigas, embora o meu universo autoral continue a ser o mesmo. De maneira que tive de interromper o trabalho no romance todo estruturado e iniciado de que falei no início desta resposta, porque o tom da narração dele estava muito relacionado com o ponto de observação que abandonei com a escrita de «Batalha», logo tenho de encontrar um modo de integrar esse romance interrompido no tom que me interessa explorar neste preciso momento. No tom que, evidentemente, estou a explorar com um novo romance – diferente – que estou a estruturar e a corporizar. Já tenho escritos vários blocos de texto e muitas ideias apontadas e estou, pois, a construir uma estrutura e uma linha narrativa que me estão a dar um prazer enorme. É um romance que conto publicar no próximo ano.
os anormais: necropsia de um cosmos olisiponense
No que diz respeito à banda desenhada, à não-ficção e ao ‘spoken word’, são linguagens diferentes da do romance, mas não consistem em linguagens de repouso ou de experimentação. Quando concebo uma ideia para uma nova obra ela já vem com um carácter único que pede uma linguagem específica: ou pede para ser um romance, uma banda desenhada ou um ‘spoken word’. Não forço as ideias a serem obras que elas não querem ser e não as programo no sentido de fazer uma bd a seguir a um romance ou um romance a seguir a uma bd. Se tiver apenas ideias para bd durante um certo período, então só escrevo bd. Se tiver apenas ideias para romances durante um certo período, então só escrevo romances. Não programo estas coisas, as ideias é que surgem e pedem para ser o que são: elas já nascem bandas desenhadas, romances ou ‘spoken word’. É como ser-se menino ou menina. E a banda desenhada é uma linguagem muito exigente, porque escrevo as minhas bandas desenhadas prancha por prancha, vinheta por vinheta, descrevendo todos os planos e sequências, mais os textos: tenho de descrever por palavras, num argumento o mais completo e rigoroso possível, tudo aquilo que imaginei na minha cabeça de modo a ser compreensível para o desenhador. É por isso que também desenho ‘layouts’ dos meus argumentos para os desenhadores compreenderem com mais facilidade o universo autoral que imaginei. Quanto ao ‘spoken word’, o meu novo disco «Os Anormais: Necropsia De Um Cosmos Olisiponense» é dos textos mais complexos e desafiantes que já escrevi nos últimos tempos: e não possui nenhum apoio em papel, foi feito para ser ouvido. É tão exigente quanto um romance – talvez mais, porque não tem a familiaridade do papel, é um trabalho que aborda sem tréguas o ouvinte com um texto multi-referencial e ultra-polissemântico.
3. Tens consciência que a tua escrita não é certamente muito acessível para um mercado de leitores mais habituado a, digamos, livros mais fáceis de digerir? Não te assusta saber que o mais certo é existir cada vez menos leitores capazes de te querer ler porque estamos numa época que tolera e recompensa o que é mau? Ou é isto uma falsa questão? Ou a ser um problema não te assusta porque sentes que o que importa afinal são as palavras por mais excêntricas que possam ser e que a exigência e a inteligência acabarão por vencer?
o pequeno deus cego
Olha, acho que nem sempre a exigência e a inteligência acabam por vencer, para ser sincero. Muitas vezes, se calhar a maioria das vezes, ocorre até o oposto. De facto, a minha abordagem ao ofício da escrita faz-se pela porta grande da polissemântica, da polissemia, da polinização total entre palavras, entre neologismos e arcaísmos. Ao fim e ao cabo, o que é um arcaísmo? Para mim não existem palavras mortas, porque sou um escritor: eu amo as palavras, verdadeiramente. Não quero que elas morram, não sou nenhum coveiro das palavras. Se se é escritor para se ser coveiro, então não vale a pena.
Quando escrevo no Twitter estou a comunicar, por exemplo, mas será que se pode escrever um romance do mesmo modo que se escreve no Twitter? Quer dizer, pode-se e até acho que isso já foi feito, infelizmente, mas será literatura? Claro que não, mas, independentemente disso, anda por aí uma moda muito estúpida relacionada com micro-ficções e com micro-micro-ficções. Isso para mim é a antítese total do que a literatura deve ser. O Alexander Theroux diz que se formos a casa de alguém e virmos que não existe um exemplar do «Dom Quixote» estamos em maus-lençóis e devemos fugir o mais depressa possível e, embora ele esteja a ironizar, tem toda a razão, porque onde não um «Dom Quixote» há certamente um livro escrito por uma celebridade ou por um tarefeiro dos géneros que estejam na moda na altura ou uma micro-ficção ou, pior, poderá nem sequer haver livros.
Quem é que hoje em dia lê o «Dom Quixote»? Ou o «Gargantua» do Rabelais? O «Ada» do Nabokov? Ou o Laurence Sterne, o Dante, o Joyce, o Barão Corvo? O que mata a arte é achar-se que ela tem de ser um mimetismo do real – e o que mata a literatura é achar que um livro tem de ser uma coisa muito perceptível, muito escorreita, muito entretível. “Lê-se como um romance”, diz-se quando se quer sublinhar a faculdade que uma obra tem de ser de dócil assimilação, como se o romance fosse o epítome da docilidade, da mansidão. Até já vi à venda um livro que tinha uma cinta promocional com a frase «um livro muito fácil de ler» – isto é rigorosamente verdadeiro, o que é espantoso. Enfim, como é que se luta contra isto?
É claro que nem toda a gente tem capacidade para ler títulos como «Don Renato: An Ideal Content», escrito pelo Barão Corvo em 1909, que mistura inglês, italiano, latim e grego na mesma frase – às vezes na mesma palavra! – e apresenta um dos vocabulários mais intrincados e luxuriantes que tive oportunidade de encontrar num livro. Nem toda a gente tem capacidade para ler o «Ulysses», quanto mais o «Finnegans Wake», muito menos o ultra-erudito «Darconville’s Cat», mas isso, ao fim e ao cabo, é um problema dos leitores, não é um problema dos escritores. Eu escrevo aquilo que tenho vontade e necessidade de escrever: se me percebem, óptimo. Se não percebem… Que posso eu fazer? Não se pode ser compreendido por toda a gente ao mesmo tempo, não é verdade? Não posso é, entre aspas, descer a minha fasquia para ir ao encontro da média, digamos assim. Isso é impossível. Nesse sentido, fico feliz por saber que também tenho cada vez mais leitores, mesmo com toda a excentricidade e erudição do meu vocabulário e da multiplicidade de camadas dos meus livros. É sinal que ainda há muita gente que sabe ler e que procura livros que lhes estimulem o intelecto, livros que lhes venham a pertencer. Isto é muito importante, a pertença. A construção da biblioteca interior.
batalha
No século XVIII e ainda no século XIX os leitores andavam com um livro em branco no qual copiavam trechos mais significativos das leituras que iam fazendo e quem não tinha um caderno desses era considerado um bárbaro. Era uma espécie de construção do homem através do livro, da leitura. O homem era o somatório do que lia. Hoje ninguém se constrói a partir dos livros: constroem-se a partir dos maus filmes de entretenimento, dos jogos de vídeo, da má música popular, dos desportos de massas. Cultiva-se a aparência, mais do que o corpo saudável: o que interessa é parecer bem, não é estar bem, e, nessa óptica, devota-se mais tempo ao ginásio do que à biblioteca. Vivemos numa espécie de período neo-romano, em que o que interessa é o carácter utilitário e prático das coisas. Se algo não tem um propósito prático, imediato, então não serve, não presta. E sob essa égide rasura-se o ensino da filosofia dos currículos escolares, por exemplo. Falta compreender aquilo que os gregos sabiam e que os romanos desaprenderam: que até as coisas práticas têm de ser belas, têm de ter poesia. Se assim não for, é um vazio muito grande. É, de facto, a era do vazio, mas não do vazio construtivo, aquele vazio ocioso que nos permite ouvir, ver e ler com atenção e com propriedade memorativa. É, antes, o triunfo do vazio sorvedouro, do vazio aniquilador ao toque.
4. Concluo, pelo que vou lendo, que é muito importante para ti uma apurada investigação sobre o que te propões narrar. Não te aborrece saber que isso te impede de escreveres mais livros?
A investigação não me impede de escrever, de forma alguma. Pelo contrário, o ofício da escrita faz-se escrevendo e lendo. Quem não lê, não poderá escrever, mas é ler a sério, ler muitíssimo. Ler e pensar sobre o que se leu. Memorizar, reflectir. Isto é importantíssimo, andar a pé com a cabeça cheia de livros. Ao fim e ao cabo é a construção da biblioteca interior, como disse na resposta anterior. A coisa mais triste do mundo é um escritor inculto. O James Joyce dizia que tinha a mente de um ajudante de merceeiro. Deve ter sido numa altura em que os ajudantes de merceeiro seriam os fulanos mais geniais do mundo, de certeza. Estas falsas modéstias, enfim, fazem mais mal que bem, sinceramente, mas é imperdoável que o ajudante de merceeiro não saiba pesar os artigos e fazer contas (de merceeiro), não é? Porque é o trabalho dele, evidentemente. Se não sabe fazer contas e pesar os artigos está a ser um mau ajudante de merceeiro. Ora, o ofício do escritor é lidar com as palavras, com o conhecimento. Se não se domina estas áreas, se não se é bom com palavras e com o conhecimento, então também se está a ser um mau escritor. E quando é assim, não vale a pena insistir. Não vale a pena insistir, porque a arte sai de dentro para fora, logo não pode ser forçada. E não vale a pena insistir, também, porque a concorrência é numerosa e ferocíssima. A arte não se compadece com indivíduos de fraca vontade: ou se é artista ou não se é – e quando se é, é-se em todos os momentos, todos os dias, por mais difícil e angustiante que isso possa ser. O artista não é um indivíduo normal. Eu não sou um indivíduo normal. A normalidade usa fatos de treino para ir às compras ao supermercado, lê jornais desportivos e vê “reality shows”. A normalidade não me interessa.
lisboa triunfante
5. Sentes que a tua literatura não é descartável e que envelhece bem?
Claro. Tenho o cuidado e o engenho de escrever livros que dificilmente se deixarão datar.
6. Não te assusta o rótulo de seres considerado o melhor autor português de literatura fantástica? E achas que o és não apenas por que escreves livros inteligentes, mas, acima de tudo, por que não tratas o leitor como um imbecil?
A minha obra insere-se no género fantástico, porque o meu universo autoral, próprio, distinto, pessoal, se preocupa com ideias, temas e imagens que vão ao encontro do inrotineiro, do sobrenatural, do esotérico, mas a minha obra não assenta e nunca assentou em lugares-comuns ou referências associadas a este ou àquele género literário, por isso, sim, pode considerar-se literatura fantástica, se se quiser, e com muito gosto da minha parte, mas por via do meu universo pessoal, não por via do mimetismo referencial – chavânico – que está na base do preconceito crítico contra a literatura de género.
De facto, a maioria desses livros é péssima e tem como único objectivo vender-se, não tem como objectivo ser literatura. Mas o mesmo pode dizer-se da maioria da literatura contemporânea, que também é uma maioria má que se farta, daí que a pertinência e qualidade de um livro não se relacionam com a sua taxonomia num ou em outro género. No que diz respeito à literatura dita fantástica, às vezes encontro mais imaginação e arrojo em livros que parecem estar fora dela, pois possuem uma imaginação mais desafogada, livre das tais cavilhações de género que só servem finalidades comerciais, porque o cliché, enquanto unidade constitutiva, por força da familiaridade, tem sempre mais aceitação imediata que algo exótico. Quantos fãs de literatura fantástica já terão lido obras verdadeiramente originais, como o maravilhoso «The Chess Garden» de Brooks Hansen, em vez das inanidades pseudo-medievaleróticas e quejandos que passam por fantásticas hoje em dia? De fantástico terão pouco, de facto, e de literatura, então, nada têm. Pode ser ingenuidade minha, mas fico muitas vezes surpreendido com a impunidade com que se publica o lixo que ocupa espaço nas livrarias.
Mas, na verdade, se acham a minha obra fantástica ou não, no fundo, não me interessa nada. É fantástica, é desfantástica? É o que quiserem que seja, porque a interpretação é exterior à obra, não a contamina. Os livros estão escritos, são lidos, apreciados, criticados, fica aquilo que quem os ler for capaz de entender e retirar. Se forem leitores cultos, inteligentes, que gostem de ler, que não se sintam diminuídos por aprenderem coisas e palavras novas, vão retirar bastante, ao contrário daqueles que apenas querem encontrar coisas e palavras que não os desafiem, aqueles que querem apenas entreter-se na acepção mais elementar.
No fundo, comunicar não me interessa. Nenhum artista autêntico está interessado em comunicar, nem poderá esperar que isso aconteça, a não ser que esteja disposto a ir bater à porta de todo o seu público a perguntar a cada indivíduo o que achou da obra, porque isso é que é comunicar. Ora, eu estou interessado em transmitir, que é diferente. É por ser artista, por ser escritor, que tenho ideias para transmitir, ideias que eu considero importantes para o público. Acho que a diluição da fronteira entre artistas e público está a matar a arte. Bem sei que estamos na era do Facebook, do Twitter e afins, que são mais ou menos úteis em divulgar aquilo que se faz, mas acho que faria bem a todos se se reforçasse essa fronteira.
7. O que podemos esperar para breve de David Soares no futuro próximo?
Consideremos o próximo ano como esse futuro próximo: um novo romance e um novo livro de banda desenhada.
https://portaviii.barcelos.info/blog/wp-content/uploads/2012/11/0462.jpg534800porta VIIIhttps://portaviii.barcelos.info/blog/wp-content/uploads/2019/01/logo-portaviii.pngporta VIII2012-11-04 17:35:212020-11-20 17:04:29david soares, uma entrevista
Deitado de costas, braços atrás da cabeça, apoiado por uma almofada, olhava para um lindo pénis, se não for o próprio a pensar isso quem seria, certo?, ali ao alcance da mão, que à menos de 13 segundos tinha ficado mais que saciado, ainda teso, impaciente a bolsar esperma, perpendicular ao umbigo, sabendo que a satisfação de o ver em breve terminaria quando a tumescência falhasse; mas até isso acontecer admirava-o.
Agora, com um riacho de esperma a escorrer pela haste, apostava para que lado ele iria inclinar-se: esquerda? direita? esquerda? em frente? Finalmente, em placidez, lá foi a definhar descaindo para a direita até deixar de ser visto.
A muralha pança continuava a ser um grande obstáculo corporal. Valia-lhe o vidro do guarda fatos que à sua esquerda, ainda, o deixava admirar o membro em perfil.
A minha apavorante vizinha do décimo quarto andar não se cansa de depositar surpresas encostadas à porta blindada de entrada para o meu apartamento. São donuts, pães árabes, pães ázimos, pães franceses, pães integrais, decorados ora com uma vela, um palito colorido, um stick luminoso, pêssegos paraguaios, marmelos, mas também deixa artigos não comestíveis, como um fálico candeeiro lâmpada de lava vermelha, um broche em prata e outras coisas de que já não tenho memória. Não sei o que se passa naquela cabeça. Não consigo compreender, e tenho dois dedos de testa, o que ela quer conseguir com aquelas oferendas.
Já lhe disse com a menor simpatia que tenho que deve mudar de atitude, que é uma exagerada, que o que faz não tem qualquer sentido, que se deseja ter sexo comigo isso nunca vai acontecer, não porque seja feia (também não é bonita, até tem um corpo de pedir por mais), apenas odeio saber que tenho uma amante no prédio onde habito obcecadamente possessiva.
– A sua sorte é eu ainda ser boa pessoa e isto ser saboroso – respondi-lhe, na sexta-feira passada, após dar uma última trincadela na oblação, um donut caramelizado. Viro-lhe as costas e subo em passo de corrida pelo elevador até ao meu reduto.
Passados que foram dois dias do último donut olho para o espanto dos espantos; completamente apalermado fiquei a encarar um pito amarelo, de laço vermelho ao pescoço, num cesto de vime repleto de ovos de chocolate. Pego no cartão preso à asa e leio “Big, ofereço-lhe esse inocente pito como prova do meu apreço. A sua vizinha 14C“. Aquela prenda tinha a mensagem mais clara de todas. Senti que tinha de terminar com os abusos. As dádivas atingiram outro patamar pela ausência de subtileza; de inocente não tinha nada e o pito, ou mais correctamente o frango, da oferecida, que deve ser tudo menos cândido, foi-me oferecido em vermelho.
Mal sabia que o pior estava para vir. Hoje, 30 de Abril, lá descobri refastelado no chão um cesto de verga castanho com imensas maias ou maios, enfim ramos de giestas amarelas. Fiquei assustado. Odeio rituais, até os pagãos. Iniciei um laborioso processo mental, só como eu sou capaz, e concluí que o ritual tem como objectivo último impedir a entrada do Burro, do Maio ou do Carrapato nas casas; afastar as entidades maléficas, os demónios. Chegado a esta ilação uma paz interior colou-se ao corpo. Finalmente a 14C ia deixar-me em paz. Coloco os maios e desvio a vizinha carrapata da minha porta – pensei. Grande burra acabou de dar um tiro no pé; deu, mas foi, um tiro nos dois pés e caiu de frente. O susto já era uma miragem e comecei a gargalhar todo satisfeito quando o tiimmm do elevador antecipando a abertura das portas interrompeu a quarta risada e vi lá dentro a 14C vestida de branco, coroada com flores, descalça, diáfana, a exalar fertilidade. As portas fecharam-se e o elevador desceu. Se eu fosse o Reed Richards os queixos tinham-me caído literalmente ao chão.
Que se fodessem os maios, que não eram precisos. O diabo já estava dentro de casa, dentro de mim. E o demónio em mim entrou em parafuso. Tresloucado desci, imagine-se, pelas escadas, abalroei a porta do 14C para a encontrar sentada, sensual, num trono de flores. Lancei-me a ela de arpão em riste, rasguei-lhe a parca cobertura; de costas para mim e com as mãos apoiadas nos braços da poltrona florida enfiei numa líquida vulva um sequioso pénis com tanta facilidade que quase perdi o equilíbrio não me tivesse agarrado a dois seios tesos, ausentes de artificialismos. Com a coluna a arquear a cada investida minha senti que estava a gostar da viagem de tobogã; e quando comecei a despejar 117 milhões de demónios, contagem do meu último espermograma, ri-me em deliciosos sobressaltos da imagem mental que me surgiu, assim do nada: um pito amarelo, de laço vermelho a afogar-se num taça cheia de manteiga.
Abandonei-a sufocada por suspiros, sabendo que os meus demónios irão morrer pacificamente em suave agonia em 24 horas – maios para quê.
Finalmente exorcizei-a.
o vosso exorcista: BigPole
https://portaviii.barcelos.info/blog/wp-content/uploads/2012/03/swear.jpg64600porta VIIIhttps://portaviii.barcelos.info/blog/wp-content/uploads/2019/01/logo-portaviii.pngporta VIII2012-05-24 14:22:062020-12-28 17:09:33o raio dos maios
Num abrir e fechar de olhos LapDance chegou ao destino. Claro que para quem tem dois dedos de testa, enfim, para qualquer entendedor mediamente inteligente LapDance nunca fechou os olhos; isso seria o convite ao suicídio. É um sujeito doido, até desleixado, mas não kamikaze. O que interessa para a nossa história é o facto de que viajou mais rápido do que uma lesma vítima inocente da toma de viagra.
Desligou a mota no parque reservado aos VIP. Levantou a viseira do capacete, adorava especialmente este momento mágico; enquanto posicionava o descanso admirou-se com os pneus esfarelados, sintoma de boas curvas e ardente velocidade; o crepitar do escape abriu-lhe o apetite para umas castanhas assadas na brasa. Ali de preto iluminado apenas pela luz do candeeiro público auto alimentado sentiu-se um homem capaz de enfrentar sem dificuldade qualquer problema que Nectarina tivesse ou viesse a ter.
Só depois deste inócuo narcisismo é que tirou o capacete, deixando-o a repousar no depósito de gasolina, e observou pasmado e com uma total incompreensão a Bolo-Rei. Olhava como uma vaca para o vazio deixado por um TGV que ora estava ali, ora já não. Os seus olhos presenciavam a ausência de luz onde esta deveria existir. Se estivesse com o capacete alojado na cabeça poderia usar como desculpa a massa anónima de insectos colados à viseira. A verdade é que os enormes tubos de néon que compunham em voltas e reviravoltas as letras da palavra Bolo-Rei estavam completamente às escuras – seria agradável um suave piscar, até uma faísca. O facto da Bolo-Rei ter a forma de um rectângulo de ouro não sossegava LapDance; e a agravar o quadro nem a luz piloto, amarela, que assinalava a campainha das traseiras emitia qualquer luminosidade. Estranho, muito estranho, pensou. Estaria a sonhar? Um calafrio seria algo que não desgostaria LapDance; sempre era a prova de que estava bem acordado, mas o seu fato Alpinestars entre outras funcionalidades mantinha-o a uma temperatura corporal constante.
Cautelosamente aproximou-se da porta. As botas faziam estalar a gravilha; o tubo de escape copiava o som. Sentiu que estaria melhor no sofá a curtir um filme e a comer pipocas. A sua tara por comida era lendária, e qualquer motivo servia de pretexto para provocar todas as suas papilas gustativas.
Empurrou a porta que estava ligeiramente entreaberta. Entrou, e o que sentiu de imediato foi um cheiro que lhe trouxe agradáveis recordações de orgias, o cheiro adocicado de vómito; mas por mais preparado que pudesse estar não estava para aquele cenário.