haja ânimo
Todos os dias eles subiam a mesma escada; encontravam, logo no topo, assim de rajada, enclausurado na vitrina de sempre, o mesmo cartaz com os dizeres “Haja Ânimo”.
Todos os dias, que eram tudo menos santos dias, contavam mentalmente, com o coração cheio de desânimo, os degraus: e um, e dois, e três, e agora quatro, e cinco, e já está quase, e seis, e sete, e oito, e noveeeeee e raios partam tudo… ufa… dez. E logo no patamar o cartaz que já foi de um amarelo vivo, agora descolorado pela passagem dos anos, sorria desdenhosamente para eles a publicitar um já muito ultrapassado “curso prático contra o desânimo, o ruído, o medo e a solidão”. Sentiam, quando o deixavam para trás, o sorriso espetado nas costas – a gozar com eles.
Eles que já foram crianças cheias de sonhos, adolescentes com hormonas saltitantes, adultos com esperanças, velhos com saudades. Eles que passaram por todas as pungentes quatro fases de um ciclo de vida, mas ao contrário da borboleta a última fase não é de um lindo renascimento, vêm-se agora numa nova, assustadora e inesperada quinta fase: a fase zombie.
Eles de olhos mortiços, corpos amortalhados, de andar morrediço são os novos zombies; são a corporalização do desalento, do dilaceramento individual; são autómatos de carne e sangue que obedecem sem reflexão a vontades incoerentes. Eles sabem-se bobis que recebem diariamente um osso descarnado em troca do nada.
O que lhes resta? Certamente a revolta, porque a vida nunca são dois dias.
Reflexão publicada numa Revista Amanhecer.